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Telefone não toma banho, não come e não dorme mas precisa de férias

@Fonte: JN Portgual

Quarta, 07 de julho de 2021

O telefone não toma banho, não come e não dorme. Não faz falta no quarto, no WC ou à mesa de jantar, mas pode sair à rua e até participar em atividades ao ar livre. E fazem-lhe bem umas férias.

A Direção-Geral da Educação, o psiquiatra Daniel Sampaio e a psicóloga Ivone Patrão lançaram a campanha "Férias: um lugar tecno saudável!" Com o apoio da Geração Cordão e do Instituto de Apoio à Criança, a iniciativa quer sensibilizar os jovens "para o uso saudável da tecnologia durante o período das férias escolares" que começou, para muitos, há uma semana.

Em nove pontos, a campanha explica o melhor uso a dar ao telemóvel em tempo de férias, e faz sugestões para filhos e pais, agora que as aulas acabam e a tentação do ecrã preenche os dias de adolescentes e crianças.

Mensagens para as férias que "são válidas para todo o ano", segundo a psicóloga Ivone Patrão. "Como as crianças têm mais tempo livre em tempo de férias, importa que as famílias façam esta reflexão sobre o uso das tecnologias", acrescentou, sublinhando que não hesitou em juntar-se à campanha "Férias: um lugar tecno saudável!"

A primeira iniciativa da campanha é uma brochura, que começa por salientar a importância de noites bem dormidas. "As crianças e os jovens necessitam de, pelo menos, oito horas diárias de sono, sem a presença da tecnologia no quarto." Psicóloga, docente e investigadora, Ivone Patrão entende bem a necessidade de vincar esta mensagem. "Segundo estudos que temos, 87% das crianças dormem com a tecnologia", disse ao JN.

Uma percentagem que é mais elevada entre os casos que chegam aos consultórios médicos, quando os pais percebem que há problemas. "Temos casos de jovens que estão ligados 24 sobre 24 horas. Não comem, não dormem, não tomam banho", acrescentou.

A higiene é uma prioridade diária, em aulas ou em férias. E apesar de haver aparelhos à prova de água ou de salpicos, os "smartphones" não precisam de tomar banho. "Quando é preciso explicar que primeiro está o banho, depois o telefone, isso não é saudável", sublinha Ivone Patrão.

E convém não confundir a expressão "ligar o telemóvel à alimentação" com trazer o aparelho para a mesa. Os aparelhos não precisam de comer e só servem de distração. "As refeições principais em família são um excelente momento de comunicação, de aprendizagem e de afetos", defende a campanha.

Ivone Patrão senta-se a esta mesa. "As refeições são um momento importante de partilha em família, de socialização. E estamos a perder isso se as crianças estão com a tecnologia na mão", diz a psicóloga, fundadora da Geração Cordão, que também se associa à campanha. "Não é que as famílias não tenham noção dos perigos ou que não saibam, mas a tecnologia está tão ali à mão" e é frequentemente "tão rápida e compensadora" que facilmente se perde a noção.

As férias de verão são propícias a atividades ao ar livre. Normalmente o tempo é quente ou ameno, pelo que ficar fechado no quarto agarrado ao telemóvel ou à consola não é o melhor destino a dar aos dias ócio e só promove o isolamento.

"É muito importante que as famílias estejam atentas a estes comportamentos, quando as crianças se isolam", alerta Ivone Patrão. Pode ser sinal de que algo aconteceu na vida dos jovens - cyberbulling, um namoro acabado ou uma zanga com amigos. "Nas várias dimensões da vida que os pais hoje têm, pode parecer confortável saber que as crianças estão no quarto, sossegadas, mas esse isolamento é prejudicial a médio e longo prazo", alerta a psicóloga, que também é docente e investigadora no ISPA-IU e na Unidade de Investigação de Psicologia e Saúde.

Mas férias e regras não significam necessariamente distância do telemóvel. "Deve existir um equilíbrio entre as atividades online e offline", defende a campanha. Há até atividades ao ar livre em que o uso da tecnologia pode ser útil ou lúdico.

"É preciso as crianças aprenderem a ficar aborrecidas. É fundamental que saibam lidar com o aborrecimento", argumenta Ivone Patrão. Conversar, ler, passear, fazer atividades desligadas dos ecrãs. Ou não fazer nada, ficar apenas a existir, por momentos. "É importante fazer um time-off da tecnologia, parar, porque não é saudável estar permanentemente em socialização", todo o tempo ligado aos ecrãs, seja nas conversas com os amigos ou a deslizar os dedos pelo sem-fim das redes sociais.

Neste aspeto, a campanha deixa um conselho válido para todos os dias, para jovens e adultos feitos: "É essencial pensar antes de publicar algo online", lê-se no documento, que incentiva os adultos a dar o primeiro passo, fazendo escola pelo exemplo.

Entre os conselhos para adultos, a campanha defende que o número de horas e os conteúdos devem ser adequados ao nível de desenvolvimento da criança e do jovem e deixa até uma tabela que pode servir como orientação: 0 minutos por dia em crianças até aos dois anos; 1 horas até aos quatro anos, e um máximo de três horas na faixa etária dos cinco aos dez anos - a idade para a entrega do telemóvel aceite comummente por pais e psicólogos.

"O importante, ao dar um telemóvel a uma criança ou um jovem, é ter um contrato, definir bem as regras", adequadas ao nível de maturidade dos jovens. Porque um filho aos 13 anos pode ser bem diferente do irmão de 15. "Não se dá um carro a uma pessoa se não tiver a carta, se não souber as regras", sublinha Ivone Patrão, doutorada em Psicologia Aplicada e especializada em Psicologia Oncológica.

O último conselho é mais abrangente: "a tecnologia não deve ser uma recompensa para um comportamento adequado". Um ponto de reflexão para os pais, defende Ivone Patrão, especialmente nestes tempos que parecem infindáveis da pandemia, em que a tecnologia assumiu particular importância na vida das famílias; do teletrabalho dos pais às aulas online dos filhos.


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